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louças art deco no Brasil

Eu estava admirando este belo prato abaixo, no ótimo blog Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém, e fiquei pensando que aqui no Brasil, no tocante às indústrias de louças, o art deco provavelmente foi o primeiro movimento artístico que teve reflexos contemporâneos na decoração e design dos modelos de louça.


foto: acervo blog Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém
http://mfls.blogs.sapo.pt/



A nossa indústria de louças teve um início muito tardio. Excetuando-se as raras iniciativas no final do século XIX, ela só começou mesmo na década de 1910, teve alguma expansão na década de 1920, mais só tomou fôlego e acelerou a partir da década de 1930.

Até a década de 1930, basicamente o que se produzia eram cópias ou interpretações de padrões estrangeiros. Não que o arte deco na indústria de louças aqui tenha sido absolutamente original, mas ao menos se deu ao mesmo tempo que no resto do mundo, ao contrário dos outros estilos usados por esta indústria, todos atrasados, às vezes, mais de um século, como por exemplo o relevo moldado trigal.

Desta forma, quando a indústria de louças brasileira alavancou, vivia-se o auge do art deco, movimento que teve muito sucesso por aqui na arte, arquitetura, mobiliário, moda, design, ilustração, etc. Nada mais natural que houvesse reflexos na indústria de louças, mas que no meu entender, foram ainda um tanto tímidos, se comparados à arte ou arquitetura.

Vamos começar então pelo exemplo mais excepcional que eu conheço até o momento de louça art deco brasileira:


acervo site Porcelana Brasil

Este belíssimo jogo de chá e lanche é da Fábrica de Louças Adelinas, de São Caetano do Sul, SP. Vamos seguir então com mais exemplos desta fábrica:


acervo site Porcelana Brasil


acervo Museu Histórico Municipal de São Caetano do Sul, SP


acervo Jandira Antonieta da Silva


acervo Museu Histórico Municipal de São Caetano do Sul, SP


acervo Museu Histórico Municipal de São Caetano do Sul, SP



Até mesmo um catálogo de 1935 desta fábrica era art deco:


acervo Museu Histórico Municipal de São Caetano do Sul, SP


Uma outra fábrica com bons exemplos de peças arte deco é a Fábrica Santo Eugênio, de São José dos Campos, SP:


acervo site Porcelana Brasil


acervo site Porcelana Brasil


acervo Washington Marcondes




acervo Washington Marcondes


Outra fábrica de SP, a Fábrica de Louças Ceramus produziu diversas decorações art deco, embora o design das peças geralmente em nada lembrassem este período artístico:


acervo Washington Marcondes


acervo Washington Marcondes


acervo Washington Marcondes


acervo Washington Marcondes


acervo Jandira Antonieta da Silva

A decoração do prato de sobremesa abaixo é a mais incrivelmente art deco que já encontrei produzida no Brasil. Eu adoraria ver o jogo completo!




Este jogo de chá e bolo abaixo, da Cerâmica Iracema, de Campo Largo, PR, é outro bonito exemplo de uma decoração art deco. Reparem que o design das peças do jogo é um tanto confundo: as alças do bule e açucareiro são bastante convencionais, mas as tampas possuem elementos art deco. Até mesmo as asas das xícaras tem algo de geométrico, e por sua vez, não "batem" com as alças do bule e do açucareiro!


acervo site Porcelana Brasil


Mais uma fábrica de SP, desta vez de Porto Ferreira - Cerâmica Porto Ferreira:




acervo Washington Marcondes




acervo site Porcelana Brasil


É interessante notar que às vezes o modelo da peça não é em nada art deco, mas a decoração sim, bem como o inverso pode ser verdadeiro. Isto seria tema de uma investigação muito interessante. Eu já vi modelos bem art deco decorados com decalques completamente anacrônicos ao design da peça.

Uma observação final que eu faço é que estes motivos decorativos art deco talvez tenham sido muito explorados pelas fábricas não apenas para refletir um "espírito de época", mas talvez mais do que tudo pelo fato de a simplificação geometrizante proposta pelo art deco era PERFEITA para ser aplicada com sucesso em decorações feitas com estanhola, o que era uma prática muito difundida em nossa indústria de louças em suas primeiras décadas, pois era simples de produzir, rápida, barata, não dependia de importação (como os decalques), não dependia de habilidade do decorador (como a pintura à mão-livre), e era uma forma de conseguir uma padronização nda decoração das peças, o que facilitava a produção de peças em larga escala, e de forma independente entre as peças. Mesmo que um artesão fizesse apenas tigelas, outro apenas pratos, outro apenas xícaras, e assim por diante, no final, podia-se compor um jogo com decoração padronizada sem problemas. E sabemos que se uma pessoa faz apenas um tipo de pela, a produção se torna maior e mais automatizada, o que a indústria ADORA!

Para que um jogo pintado à mão tivesse coerência, era obrigatória que o MESMO pintor pintasse todas as peças do mesmo. Além de ser um processo lento e dependente de habilidade (o que eleva custos), era praticamente impossível repor peças quebradas ou ampliar um jogo, pois não havia muito controle (ou mesmo como controlar!) as decorações pintadas à mão-livre, em comparação a qualquer outro processo decorativo automatizado.

prato trigal com aerógrafo e estanhola


Acabei de ver este prato em um excelente blog sobre a Louça de Sacavém.



Segundo o blog, o prato seria de 1932 a 1950.

Então o Brasil não estava sozinho na fabricação de louça padrão trigal tão tarde no séc. XX.

Mas o mais curioso, e foi isso que me chamou a atenção, é que normalmente o trigal, por tradição, aparece sem qualquer decoração além do próprio relevo moldado. E este tem uma borda aerografada, e ainda por cima, um motivo feito com estanhola e aerógrafo no meio.

E este tipo de uso do trigal com pintura eu só tinha vista feito pela fábrica Cerâmica Rio Branco, de Campo Largo, que operou da déc. 1950 até a déc. 1990.





Achei muito curioso encontrar este paralelo, muito provavelmente por pura coincidência.

Fábrica de Louça de Sacavém - Anúncio de 1933


Exposição Portuguesa no Rio de Janeiro, em 1879


fonte: http://mfls.blogs.sapo.pt/20086.html
agradecimentos ao amigo LUIZY, do ótimo blog "Velharias", pela dica deste ótimo blog: Memórias e Arquivos da Fábrica de Loiça de Sacavém



Pormenor da página 156 da revista O Occidente, número 44, de 15 de Outubro de 1879, com três gravuras cujas respectivas legendas são: "Luciano Cordeiro – Marcellino Ribeiro Barboza – A exposição de crystaes e ceramica na Sala de D. Manuel".

Na página anterior encontra-se o seguinte texto sobre as obras expostas e as fábricas representadas neste espaço:

" Sala de D. Manuel. – N'esta sala, a primeira com que se depara ao entrar na exposição, estão dipostas as louças, cristaes [sic] e obras de ceramica.

A fabrica da Marinha Grande, da Vista Alegre, de Sacavem e algumas outras, expõem variados typos de louça de todas as qualidades, competindo com os productos com que o estrangeiro habitualmente surte os mercados.

A louça das Caldas destaca-se, como em todas as exposições antecedentes a que tem concorrido, pelo seu typo especial e cheio de originalidade, que lhe dá um lugar á parte na ceramica moderna, e a faz apetecida de toda a gente dotada de bom gosto. A louça, imitação do antigo, exposta pelo sr. Cifka, chama as atenções geraes pela magnificencia, que a torna apta para ser collocada a par das melhores peças artisticas.

Cavalinho Sacavém


Hoje eu vi em um site de leilões aqui no Brasil um prato de faiança português com o motivo "Faisão", produzido pela fábrica Sacavém,



Que me fez lembrar um motivo muito reproduzido em Portugal, o "Cavalinho", da mesma fábrica Sacavém



mas que foi produzido por outras fábricas portuguesas, recebendo o padrão outros nomes, como "Estátua"



Quem quiser se deleitar com uma grade aula sobre o padrão "Cavalinho" e outros similares europeus, não pode deixar de conferir o post Travessa Cavalinho da Fábrica de Sacavém, no blog "VELHARIAS" de LuisY, onde sempre aprendo muito sobre louça portuguesa.

Foi lá, por exemplo, que aprendi que este padrão "Cavalinho" é mais um padrão português derivado de uma padrão inglês, chamado "Grecian Statue". Procurei uma na internet para ilustrar o padrão inglês:




Mas o que eu queria mesmo escrever, na verdade mais mostrar do que escrever, ao ver o prato "Faisão" no site de leilões, são os padrões produzidos aqui no Brasil, que eu sempre achei parecidos com o "Cavalinho", não exatamente porque o desenho é igual ou uma variação do motivo português, mas pelo "clima" do padrão decorativo, seja pela borda decorativa, ou os motivos centrais. Aqui vão alguns!

Fábrica de Louças Ceramus

Este padrão da Ceramus, do qual até hoje só vi xícaras, e nunca um prato (infelizmente) é o que mais me lembra o "Cavalinho", por conta da pequena construção, talvez um castelo, na reserva em meio às flores na borda.




esta xícara tem uma história curiosa: eu comprei 2 píres de café logo no início de minha coleção de louças brasileiras de um vendedor "de chão" da feira da praça XV. Na verdade, eu comprei com ele na ocasião outras coisas, e os pirs estavam jogados no meio da bagunça, imundos, cobertos de terra até, e eu pedi e ele me deu de brinde. E um dos motivos d´eu querer os pires é que me lembraram o "clima" do padrão "Cavalinho". Fiquei com estes pires guardados por mais de 3 anos, até que um dia, em um ferro-velho aqui perto de casa, achei EXATAMENTE duas xícaras de café, SEM OS PIRES. Parecia brincadeira! Comprei, e finalmente completei o simpático par!





Fábrica Santa Rita


tá bom! tá bom! Este parece mais uma variação de algum motivo oriental, mas eu me lembrei dele ao pensar no "Cavalinho"

Então, se é para forçar a barra, aqui está um prato que não tem praticamente NADA a ver com o "Cavalinho", mas que me veio agora à cabeça, e eu gosto muito:

Cerâmica Matarazzo:

travessa rasa - Fábrica de Louças Ceramus



travessa rasa
fabricação: Fábrica de Louças Ceramus
material: louça de pó de pedra
decoração com decalques, verniz amarelo e filetes em verniz azul

bule de chá - Indústria de Louças Ângelo Rizzi



bule de chá
fabricação: Indústria de Louças Ângelo Rizzi
material: louça de pó de pedra
decoração com decalques e filetes em verniz azul
1934+

sopeira - Fábrica de Louças Ceramus



sopeira
Fábrica de Louças Ceramus
louça de pó de pedra
decoração por estampa
coleção Porcelana Brasil

variação do "Willow"?

O prato abaixo, fabricado pela Cerâmica Miranda Coelho (1954/1964), apresenta uma decoração feita com transferware azul cobalto com motivos orientais.



Se olharmos com mais atenção, veremos que na verdade trata-se parcialmente do padrão "Willow", ou "Azul Pombinho" como preferem aqui no Brasil, só que espelhado.



Está tudo lá: o palacete, a árvore com frutos redondos que alguns afirmam ser uma laranjeira, a grade em zigue-zague.

Curiosamente, ou mesmo, sintomaticamente, o "willow" (salgueiro) em si sumiu, bem como outro símbolo paradigmático do padrão: o casal de aves. Além destes, tudo o que está à esquerda do padrão "Willow", que seria a continuação da história, foi substituido por uma mulher de quimono GIGANTE, ao lado de uma cerejeira em flor, absolutamente desproporcional ao resto do motivo, como se fosse uma simples "colagem" de dois desenhos independentes em um único:



Para completar, um detalhe do motivo decorativo da borda do prato:



Existe um padrão inglês derivado do "Willow", que também é praticamente apenas um espelhamento do padrão mais famoso, chamado "Broseley", mas neste além do palacete estar muito ampliado, tornando-se praticamente o elemento principal do motivo, quase tudo mais do padrão "Willow" está lá, exceto pelo casal de aves:






Infelizmente não consegui descobrir ainda se o desenho impresso no prato do início deste post foi uma criação da Miranda Coelho, ou se foi importado.

A Miranda Coelho usava ao menos mais dois padrões orientais, também em transferware azul cobalto.

O primeiro, abaixo, eu só vi até hoje aplicado em xícaras, mas que não vejo razão para não ter sido usado em outras peças também. Este padrão não é como o anterior, uma variação do Willow, mas apresenta um salgueiro, que é um símbolo muito usado em decorações orientais legítimas, ou inspiradas no oriente.





Neste, além do salgueiro, há também uma mulher de quimono em meio a flores e folhagens, um monte, uma construção mais simples, e uma cerca entre a área da construção e do jardim onde está a mulher de quimono, e o fundo da cena.



O outro padrão apresenta a mulher de quimono no jardim, desta vez muito mais detalhado, com o monte ao fundo, mas me parece que não há aqui o salgueiro. A foto está muito ruim, pois foi obtida em um site de leilões. Há também uma construção, agora no alto, à direita. Não há a cerca do padrão anterior.



É interessante pensar se a razão de tantos padrões orientais usados por uma fábrica de portugueses e brasileiros, em plenas décadas de 1950 e 60 seria o reflexo do mercado. De fato há várias fábricas de louça e de porcelana neste mesmo período que usaram exaustivamente motivos orientais em suas decorações, mas sempre em decalques policrômicos.

O transferware azul, um tanto simples, quase tosco, talvez tenha sido uma maneira mais barata de tentar seguir uma moda vigente. Com algumas exceções de peças decoradas com decalques florais ou cenas românticas e filetes dourados, a maioria das peças Miranda Coelho já observadas apresentam decorações bastante simples, quase rudimentares, feitas por estanhola, sempre em azul cobalto, ou meros filetes de verniz colorido.

Estanhola, transferware e simples filetes são soluções bem mais baratas do que o uso de decalques e ouro, mas que parecem muito anacrônicas com o que acontecia em praticamente todas as demais fábricas da época. Estaria a Miranda Coelho presa a um modelo antigo, como uma inércia produtiva da fábrica, ou simplesmente visava um mercado mais popular (sua louça estava longe de ser uma das mais finas e bem acabadas...)? É algo ainda por se descobrir.

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