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Chintz, um padrão que veio da Índia

autor: Fábio Carvalho
data: outubro/2006

jogo de café | Porcelana Saler | déc. 1950
decoração com decalque chintz | coleção Fábio Carvalho

Chintz Indiano pintado à mão, séc 18.
Tal qual na moda, há padrões de decoração de louça que vêm e vão. Um dos casos mais interessantes é o padrão Chintz, que já teve várias “ondas” de popularidade pelo mundo.

A palavra inglesa chintz deriva do termo indiano “chint”, que significa um tecido de algodão mais barato, estampado em toda a sua superfície de forma vívida, com um brilho encerado devido ao uso de goma. Geralmente traz desenhos de flores, frutas e pássaros, sendo popular desde o século XVII . Com o tempo, o termo passou a definir todo tipo de tecido exportado da Índia colonial para a Inglaterra que apresentasse padronagem floral complexa. Foi usado não apenas em tecidos, como também em papel de parede.

A padronagem chegou ao Brasil através dos portugueses, que também mantinham negócios com a Índia. Com o tempo o Chintz Indiano foi sendo adaptado ao gosto local, com padrões mais simplificados com flores maiores, de cores contrastantes e intensas.

É o tecido que conhecemos como “Chita” ou “Chitão”, muito popular no interior e nas festas juninas, e que recentemente ganhou as passarelas da “alta moda”, e até mesmo empresta suas estampas para uma cadeira do badalado designer francês Philippe Starck.

O que hoje se considera a primeira indústria brasileira foi exatamente uma estamparia de chitas, a “Fábrica de Chitas”, aberta em 1820. Ela se localizava no Rio de Janeiro, no recém criado bairro do Andaraí Pequeno, no “Largo da Fábrica das Chitas” (atual Praça Saens Peña), e funcionou por apenas 20 anos, mas mesmo assim a região continuou a ser conhecida como “bairro das chitas” por quase um século.

No que diz respeito à louça de mesa, a palavra chintz passou a ser usada pelos ingleses, e depois internacionalmente, para definir peças decoradas com padrões florais intrincados e vistosos, que geralmente recobrem a maior parte da louça.

Inicialmente, a aplicação de padrões chintz em louça era um processo decorativo feito através de pintura à mão, o que naturalmente era muito complicado, lento e de alto custo.

jogo da marca inglesa Royal Albert,
padrão "Old Country Roses".
Quando a companhia inglesa Grimwades (através de sua marca comercial Royal Wades) conseguiu desenvolver no início do século XX um processo industrial que tornou economicamente viável a fabricação em massa de louça com este tipo de decoração, a popularidade dos padrões chintz decolou.

Eles desenvolveram um processo em que os complexos padrões florais eram impressos por litografia em papel ou tecido duplo muito fino, que possuía uma camada removível. A parte impressa era aderida à louça, sendo então retirada a parte removível, exatamente como os decalques atuais. Uma vez queimada a louça nos fornos, permanecia apenas a tinta da impressão, que depois era protegida por uma camada de verniz.

Em meados dos anos 1930, no Reino Unido, era comum se dizer que a decoração chintz era “a expressão máxima do requinte e elegância da mesa Inglesa”. Esta decoração continuou muito popular até o início dos anos 1960, quando começou a ser vista como ultrapassada. Eram os novos tempos, de grandes mudanças no cenário cultural mundial. Nesta época começam também a surgir outros materiais no fabrico de serviço de mesa, o que fez declinar a popularidade da porcelana e faiança em geral, e em particular com a decoração chintz.

Bandeja Royal Winton (Grimwade)
padrão Chintz 'Beeston' - Inglaterra - 1934-50.
Na década de 1990 a louça chintz recuperou sua popularidade, não mais junto ao consumidor de massa, e sim no setor de antigüidades e peças de coleção.

Há no exterior uma extensa bibliografia e muitos websites sobre o assunto, e o interesse pela louça chintz cresceu tanto que até mesmo a marca Royal Wades voltou a fabricar louça chintz, devido principalmente à enorme demanda norte-americana por estas peças.

O irônico é justamente o sucesso atual do padrão chintz nas fábricas inglesas num momento em que a maioria delas enfrenta problemas financeiros, pois foi justamente o padrão chintz que, como agora, salvou várias fábricas do Reino Unido durante a depressão da década de 1930.

A própria Royal Wades recontratou recentemente várias operárias que foram demitidas ao longo dos anos 1960, quando as linhas de produtos chintz começaram a deixar de ser produzidas.


E no Brasil...

Fábrica de Louça Paulista (Cerâmica Mauá),
data provável déc. 1950/60. Coleção do autor.
No Brasil tivemos diversas fábricas que usaram padrões chintz na decoração de suas peças de louça. Os exemplos mais antigos talvez sejam da Fábrica de Louça Paulistana (Mauá – SP), em peças de mesa e decorativas, produzidos provavelmente entre a década de 1950 e 1965. Há também exemplos de louça de mesa da década de 1950 das fábricas Barão do Rio Branco (Rio de Janeiro - RJ) e da Porcelana Schmidt (Pomerode – SC)..

Os exemplares de louça chintz brasileira que podemos encontrar com maior facilidade e em maior quantidade em nosso mercado de antiguidades e colecionismo são os produzidos pelas marcas de decoração Ars Bohemia, Pátria (DP, PA), Porcelanarte/Polovi e Luiz XV.

As peças destas marcas, que utilizavam a louça branca das grandes fábricas em seus produtos, apenas aplicando a decoração, foram produzidas pelas décadas de 1960 e 1970, e possuem motivos muito ricos e vistosos. Também encontramos exemplos de decoração chintz das fábricas maiores e mais tradicionais, como a Porcelana Real (Mauá – SP) e a Porcelana Schmidt (Pomerode - SC), mas não na mesma quantidade e diversidade que as empresas de decoração anteriormente citadas.

Alguns dos padrões chintz “tardios” que encontramos em louça nacional apresentam adaptações ao gosto “psicodélico” da época, também conhecido como "Paisley" (outro padrão importado da Índia).

Licoreiro da Cerâmica São José, decorado
com um chintz psicodélico (Paisley).
Recentemente, para minha surpresa, encontrei um licoreiro da marca Cerâmica São José (Pedreira – SP) com aplicação de um chintz psicodélico. Até então só conhecia os tradicionais bibelôs e vasos com adornos em relevo de flores desta marca.

Mesmo a fábrica carioca Porcelana D. Pedro II, mais conhecida por sua porcelana para restaurantes e hotéis (foi a primeira fábrica brasileira a se dedicar a este tipo de produção, e ao longo de muitos anos foi o principal fornecedor de louça comercial no país) também produziu peças com decoração chintz.

Atualmente a Vista Alegre do Brasil (empresa portuguesa que comprou a Porcelana Renner em 1998 para produzir no Brasil, visando o Mercosul) possui em seu catálogo atual um padrão de decoração chamado “Chintz Azul”, mas que foge um pouco ao conceito do Chintz tradicional, pois a decoração não cobre a maior parte da louça, deixando muita área branca.

Naturalmente esta não é uma lista definitiva, pois quem lida com antiguidades e colecionismo sabe que todo dia uma novidade pode surgir, e deve-se sempre estar aberto a rever conceitos e paradigmas.

Xícara de chá da porcelana D. Pedro II - déc. 1960.
Coleção do autor.
É curioso que o grande “boom” da louça chintz no Brasil deu-se justamente quando no exterior este tipo de decoração já era considerado ultrapassado.

Teria sido porque foi nestas décadas que a produção local de decalques para a decoração de louça se difundiu, não sendo mais obrigatória a importação dos decalques, o que barateou o processo decorativo?

Talvez, mas o estranho é que os desenhos encontrados em nossas louças chintz são basicamente estrangeiros.

Xícara de café, decoração Emano sobre
porcelana Real, déc. 1970. Coleção do autor.

É uma pena que jamais tenha sido criada por aqui uma decoração de louça chintz com desenhos tipicamente brasileiros, como aconteceu na estamparia.
Fica aqui a minha sugestão para que a nossa indústria aproveite a atual valorização do “Chitão” na moda e no design, e crie jogos de porcelana com padrões tipicamente brasileiros.



Vários exemplos do chitão brasileiro.


Este artigo foi originalmente publicado na revista Retrô, de abril/2007 - Ano 3 - Edição nº. 18.




Decoração "Chita", criação de Marcelo Rosenbaum
Atualização de 10 de abril de 2011

Curiosamente, por volta de 1 ano após a publicação deste meu artigo na revista Retrô, foi lançada pela loja Tok Stok uma coleção de louça com decorações criadas pelo renomado designer brasileiro Marcelo Rosenbaum, e fabricada pela Oxford, chamada "Linha Brasil", que dentre as várias decorações, possuia uma chamada "Chita", que é justamente baseada no Chitão brasileiro.

Se você quiser conhecer as outras decorações criadas por Marcelo Rosenbaum para a Tok & Stok/Oxford (são todas muito bonitas e criativas), acesse este link.


Abaixo você pode conhecer mais exemplos de louça Chintz fabricada no Brasil:

Prato de sobremesa, Fábrica de Louça Paulista (Cerâmica Mauá) - déc. 1950.

Xícara de café, decoração Emano sobre porcelana Real, déc. 1970.

Decoração Luiz XV sobre porcelana Steatita - xícara de café - déc. 1960/70.

Fábrica de Louça Paulista (Cerâmica Mauá) - déc. 1950.

Jarro (1 litro) e xícara de chá, Porcelana Rio Branco, déc. 1950.
Jogo para bolo, Porcelana real, dec. 1960.

decoração Luiz XV sobre porcelana Steatita - xícara de café - déc. 1960.

Trio de lanche, decoração PA sobre porcelana Real déc. 1960.

Xícara de café, decoração Ars Bohemia sobre porcelana Steatita, déc. 1960.

Decoração Porcelanarte em porcelana Steatita - chintz psicodélico - final déc. 1960.

Xícara de café, porcelana Schmidt produzida entre 1946 e 1958.

Porta jóias, Fábrica de Louça Paulista (Cerâmica Mauá) - déc. 1950.

Petisqueira, Fábrica de Louça Paulista (Cerâmica Mauá) - déc. 1950.

16 comentários:

  1. Gostei muito da sua explicação, que em boa parte diz também respeito a Portugal. Por cá o chintz deu origem a um tecido extremamente popular, a célebre chita de Alcobaça, que teve um sucesso durante gerações e gerações a fio.

    Julgo que ainda se vai fabricando, embora a indústria em Portugal tenha falido toda. Eu ainda tenho uma cortina em chita de Alcobaça que gosto muito.

    Em termos de faiança ou porcelana julgo que o motivo não teve muita expressão.

    Abraços

    Luís

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  2. Olá Luis!
    A chita naturalmente nos chegou através dos portugueses, e é um tecido popular de muito sucesso ainda hoje, e de uns 5 a 10 anos para cá se tornou "in" seu uso em decoração e moda.
    Isso me fez pensar que eu poderia colocar uns exemplos do chitão brasileiro no post.
    Na louça portuguesa, conheços alguns exemplares da Vista Alegre. No post de ontem aqui neste meu blog a Maria Paula disse acreditar existir exemplares chintz de Sacavém.
    Vou pesquisar a chita de Alcobaça. Julgo já ter visto umas fotos faz tempo, em uma página Flickr de uma portuguesa.
    abraços!

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  3. Olá Fábio!
    Que belo artigo aqui tem! Tanta informação interessante! Adorei!
    Não conhecia a origem indiana das palavras chintz e chita mas realmente os padrões são muito parecidos. Também ainda guardo um tecido de chita com cornucópias q se deve integrar nesse tipo psicadélico.
    Já não me lembrava mas até tenho um prato Vista Alegre em chintz, com marca usada entre 1924 e 1947. E lembro-me de ver pelas feiras loiça nesse tal chintz psicadélico, talvez dos anos 60, provavelmente Sacavém ou Alcobaça.
    Hei-de começar a andar mais atenta!
    Abraços.

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  4. Olá Maria Andrade,
    Eu gostava muito quando havia a revista Retrô, e eu escrevia artigos para a mesma, pois era mais uma razão para eu pesquisar os assuntos de meu interesse. É uma pena que ela tenha durado apenas 2 anos, por falta da anunciantes.
    abraços!

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  5. Ei. Um vez entrei no site porcelanabrasil e vi um monte de informação legal. Agora não consigo mais entrar. Está fora do ar? quando vai voltar? Abraço. Ana Tereza.

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  6. Olá Ana Tereza,
    Acabei de verificar e o site está no ar. Talvez tenha sido algum problema temporário com o servidor onde ele está hospedado, pois eu nunca o tirei do ar.
    http://www.porcelanabrasil.com.br/
    abraços
    Fábio

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  7. Great post. Oh how I love chintz. There is something about it.

    - The Tablescaper

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  8. Há uns anos o Ministério da Cultura de Portugal organizou uma exposição itinerante no Brasil com chitas de Alcobaça. Entre outras cidades, tenho quase a certeza que esteve no Museu Histórico e Nacional, aí no Rio de Janeiro. Talvez até ainda tenham algum exemplar do catálogo à venda, que embora fosse pequeno era muito bonito.

    A Dra. Vera Tostes ainda continua nesse Museu? Era uma simpatia!

    Abraços

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  9. Olá Luis,
    Como sempre, você muito bem informado!
    http://www.museuhistoriconacional.com.br/mh-e-320j.htm
    Sim, Vera Tostes é ainda diretora do Museu Histórico Nacional, que por sinal, atualmente é um dos mais modernos e bem aparelhados da cidade.
    Obrigado pela dica e abraços!
    Fábio

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  10. A si não lhe escapa nada na internet! De facto o link refere-se à exposição que mencionei.

    O Museu Histórico Nacional sempre abriu as portas a exposições de arte portuguesas e o Ministério da Cultura português fez lá coisas muito engraçadas, como a exposição Amar o outro mar: a pintura José Malhoa, na qual participei na organização.

    Abraços

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  11. Ei fabio. Agora eu consegui. Estou fazendo uma pesquisa sobre a porcelana de monte sião. Especificamente essa porcelana não há no seu site. mas tem informações que serão valiosas para mim. Obrigada e abraço.

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  12. Hello Fábio,
    I am very impressed about your Chintz post. I am very fond to all Chintz pattern although I do not own just one of them. But every time when I see it, I love it. You show so many nice pattern, I made Ohhh and Ahhh, when I dicovered them all. They all have somehow a happy spirit. Thank you for all those interesting informations. I really love to learn such things.
    Best greetings, Johanna

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  13. Ana Tereza, a Monte Sião ainda existe e possui um site próprio:

    http://www.porcelanamontesiao.com.br/

    abraços

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  14. Hello Johanna,
    I'm glad that you´ve enjoyed this post, and glad that Google translator could do a good job.
    cheers
    Fábio

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  15. Ei Fábio,
    eu fui em Monte Sião fazer minha pesquisa. Esse trabalho foi solicitado pela prefeitura para registrar a porcelana como patrimonio cultural junto ao IEPHA MG. Então, a fabrica usa o mote " a única que produz porcelanas azul e branca no Brasil". Isso tem alguma relevância, um valor diferencial? Faz sentido eu usar isso como argumento para o registro? ou ser azul e branca não tem nenhum valor especifico? (desculpe estar invadindo seu espaço para comentário sobre chintz, mas não sabia outra forma de escrever para você). Grande abraço, Ana Tereza.

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  16. Olá Ana Tereza,
    Como todo slogan comercial, há sempre um tanto de exagero, para se criar um mote de marketing.

    Da mesma forma que a Monte Sião não é a única fábrica brasileira que fez ou faz decoração em azul cobalto (basta uma rápida olhada em meu site para comprovar), a Monte Sião não faz APENAS decoração em azul. Há também em marrom, verde, vinho, e também as polícromas com decalque.

    Em resumo: certamente a Monte Sião é reconhecida por um padrão específico de pintura à mão em azul cobalto, que é praticamente a marca registrada desta fábrica, mas aquela frase, como todo slogan, simplifica demais as coisas, embute exageros e muitas imprecisões.

    Para me escrever, veja lá em cima nesta página, o link do meu email. Mas eu preferiria que este tipo de assunto fosse tratado no FORUM do meu site, já que poderá ser de interesse de mais pessoas.

    abraços

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