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Os Primórdios da Indústria de Louças no Brasil

por Fábio Carvalho
maio/2007


A cerâmica é a mais antiga de todas as indústrias, uma vez que desde os mais remotos tempos o homem utiliza o barro para produzir utilitários domésticos. A cerâmica substituiu a pedra trabalhada, a madeira, as vasilhas feitas de frutos ou de cascas.

Aqui mesmo no Brasil, as peças de cerâmica mais antigas encontradas em escavações arqueológicas remontam do séc. X ao VII a.C., e é originária dos povos que habitavam a região de Marajó.

Alguns pesquisadores indicam que as primeiras peças de porcelana, de origem chinesa, desembarcaram no Brasil na década de 1580. Já o surgimento de uma louça de mesa fina brasileira, de produção industrial, teve que esperar alguns séculos para acontecer. Tudo começa na antiga tradição portuguesa da olaria, com o fabrico de peças utilitárias de barro vermelho cozido.

No Brasil, a produção de olaria, liderada por portugueses, começou a ser uma indústria efetivamente, seja pela escala de produção, seja pela regularidade e continuidade do fornecimento, no início do século XIX, embora a produção artesanal para atender o consumo em pequena escala existisse já muito antes.


Moringa, Brasil, séc. XIX, coleção Clotilde de Carvalho Machado, Rio de Janeiro. Fonte: 'Arte Cerâmica no Brasil', de Pietro Maria Bardi, Ed. Banco Sudameris Brasil S.A., 1980.


Esta indústria surgiu para a fabricação de material de construção: tijolos, telhas, tubos e sifões de esgoto, basicamente nos estados de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia. Entretanto, várias destas olarias também produziam alguns artigos utilitários. Nesta mesma época há também um aumento da produção artesanal, em quase todos o país.

A indústria de olaria se expande acentuadamente após a chegada da Família Real. Começa então uma grande diversificação dos artigos fabricados (talhas, canecas, pratos, boiões, sopeiras, garrafas, moringas, urinóis, escarradeiras, medalhões decorativos, ornamentos para fachadas e jardins, vasos, etc) e um grande esforço para a melhoria técnica destes artigos.


Poncheira fabricado no Rio. Fonte: 'O Brasil e a Cerâmica Antiga', de Eldino Brancante. S.C.P., São Paulo, 1981.


Começam a surgir peças de louça vidrada, bem como artigos com engobes claros e amarelados para imitar a faiança (revestia-se a louça de barro vermelho com uma camada de argila mais clara). Estas peças, conhecidas como “meia-faiança”, eram produzidas em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná.

Edino Brancante em “O Brasil e a Cerâmica Antiga”, de 1981, afirma que embora os primeiros documentos encontrados comprovando a fabricação de louça vidrada no Brasil sejam do início de século XIX, provavelmente esta já seria produzida em nosso país na primeira metade do século XVIII, na Bahia, e pelo final da segunda metade do mesmo século em Caeté, Minas Gerais.


Minas Gerais


Jarras e ânforas - MG, séc19 - Col. Paulo Vasconcellos. Fonte: site www.eba.ufmg.br.


No século XVIII, durante o ciclo do ouro, a vinda de portugueses para o Brasil, em especial para Minas Gerais, foi tão grande que vários decretos foram baixados tentando regulamentar esta verdadeira evasão: Portugal tinha nesta época uma população de 2 milhões de habitantes, e apenas naquele século mais de 800 mil portugueses vieram para o Brasil.

E vários destes tinham conhecimento cerâmico, e passaram a produzir artigos artesanais rudimentares nas cidades onde se instalaram, para uso diário.

Com a descoberta de argilas de boa qualidade em Minas Gerais, nos séculos XVIII em Caeté (1777-1786) e XIX em Congonhas do Campo (1809 -1812), imediações de Vila Rica (Ouro Preto - 1816-1822), e São Caetano (atual Brasópolis; teve sua argila analisada em Sèvres, sendo considerada um caulim de boa qualidade ― 1855), várias fábricas artesanais de louça vão surgindo nas imediações da capital da província: São Caetano, Caeté (que em 1858 recebeu a então significativa quantia de cinco contos de réis do Governo Provincial, para ampliação e melhorias na produção cerâmica, aparentemente sem sucesso), Passos, Taquaruçu, Ouro Branco, Prados e Chácara Saramenha (próxima à Vila Rica).


Tigela (malga) Saramenha, MG, séc. XIX - coleção Paulo Vasconcelos, SP. Fonte: ''Arte Cerâmica no Brasil', de Pietro Maria Bardi, Ed. Banco Sudameris Brasil S.A., 1980.


Esta última, a Cerâmica Saramenha, criada entre 1802 e 1808 pelo padre Viegas de Meneses (detentor da técnica de produção) e Antônio José Vieira de Carvalho (proprietário da Chácara Saramenha), foi a que melhor venceu as dificuldades de se manter uma manufatura naqueles tempos, e por isso mesmo, a que mais prosperou.

A técnica característica desta fábrica consistia no uso de uma argila quase negra, que depois de queimada fica cinza, sendo vidrada com óxido de ferro e pedra moída derretidos em panelas de ferro adaptadas aos rústicos fornos da época.

Era uma cerâmica grosseira e pesada, e muito conhecida entre os viajantes estrangeiros, que registraram em seus diários as peculiaridades de um artefato que só seria valorizado mais de um século depois, por conta de estudiosos e colecionadores.

A maior contribuição da Cerâmica Saramenha foi ter sido responsável pela formação de vários artesãos que posteriormente disseminaram a técnica por outras cidades, ao longo do caminho da Estrada Real. A tradição da cerâmica Saramenha é mantida ainda em nossos dias. A Fazenda Saramenha encerrou suas atividades antes de 1851, segundo relato de Augusto de Menezes, no Correio Oficial de Minas, de 13/01/1859.


Cerâmica Nacional


Paliteiro - Cerâmica Nacional - coleção Fabiano Lopes de Paula - BH.


Aproveitando a disponibilidade de caulim em Caeté, e seguindo a tradição desta indústria na cidade, em 13 de julho de 1893, é fundada por João Pinheiro da Silva aquela que podemos considerar a mais importante das fábricas deste período pioneiro da indústria de louças no Brasil: A Cerâmica Nacional.

Ela foi implantada na Chácara do Tinoco, recém comprada por João Pinheiro, onde havia uma mina de caulim (argila branca, matéria-prima base da faiança e da porcelana), e já funcionava uma cerâmica rudimentar.

A nova fábrica tinha como objetivo maior, declarado em sua ata de fundação, o aprimoramento da qualidade técnica da fabricação de louça, para se obter artigos finos, visando alcançar a produção de porcelana.

A Cerâmica Nacional entrou efetivamente em operação em 1894. Por esta época já existiam na cidade do Rio de Janeiro algumas manufaturas cerâmicas de certa importância, produzindo louça branca, e João Pinheiro entrou em contato com o proprietário de uma delas, que já apresentava um certo porte industrial, para trocar idéias sobre os processos tecnológicos que ele pretendia adotar em Caeté.


Bule da Cerâmica Nacional, de 1903, alegadamente em porcelana. Fonte: 'O Brasil e a Cerâmica Antiga', de Eldino Brancante. S.C.P., São Paulo, 1981.


A grande e fundamental diferença trazida para o país pela Cerâmica Nacional foi o seu caráter de indústria capitalista, com o uso de máquinas para a produção, deixando de lado o trabalho artesanal, típico das manufaturas já existentes. João Pinheiro, pela primeira vez na história de nossa indústria de louças, importou máquinas e tecnologia moderna. Também foi de primordial importância o auxílio técnico de Carlos Thomaz de Magalhães Gomes e Saturnino de Oliveira, químicos da Escola de Minas, em Vila Rica, responsáveis pelo estudo e aprimoramento e purificação da matéria-prima de Caeté.

Já no final de 1894 toda a linha de produtos planejada por João Pinheiro, que ia desde a louça mais simples e barata, até a porcelana, passando pela faiança e pelo grés, se encontrava pronta para iniciar produção. Entre 1903 e 1921 esta fábrica produziu porcelana de forma industrial. João Pinheiro desenvolveu peças de porcelana, decoradas em ouro, que causaram admiração em especialistas franceses.

Uma outra inovação trazida por João Pinheiro foi a produção de catálogos das linhas de produtos da fábrica, já em 1895, como atesta documentação existente no Arquivo Público Mineiro. Em 1899 lança um catálogo artístico, com fotografias de peças decoradas, principalmente das linhas de porcelana.

A Cerâmica Nacional comercializou seus produtos não apenas em Minas Gerais, mas também no Rio de Janeiro, São Paulo e cidades do sul.

Esta fábrica marcou a principal atividade econômica de Caeté por dezenas de anos. Esta fábrica também forneceu tijolos, telhas, manilhas e lajotas para pavimentação, entre outros artigos cerâmicos, para a construção de Belo Horizonte, a nova capital de Minas Gerais, que teve João Pinheiro como um dos seus principais idealizadores.

Uma curiosidade: o primeiro carro a circular em Minas Gerais pertenceu a João Pinheiro, adquirido entre 1902 e 1905, mas que não era usado para seu prazer, e sim para transportar produtos de Caeté até Sabará, através da primeira estrada do estado, construída também por João Pinheiro, exclusivamente para passar o seu veículo, que puxava o carro transportador de mercadorias em um monorail de trilhos de madeira. A pequena distância de 20 quilômetros era percorrida em quatro horas, na “incrível” velocidade de 5 Km/h! De Sabará a produção seguia de trem para Belo Horizonte e de lá para outras cidades do país.


Carro de João Pinheiro usado para transportar a produção. Fonte: site www.carroantigo.com


João Pinheiro morreu precocemente em 1908, aos 48 anos. Em 1921 a fábrica muda de nome para Cerâmica João Pinheiro, em homenagem ao seu fundador. Ao menos até 1978 ainda estava ativa (ano de publicação de um catálogo), porém produzindo apenas refratários usados em fornos siderúrgicos.

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